Em Variações em laranja, o barnabita Rui Tavares discute o futuro do PSD após a provável derrota eleitoral. O Rui põe o dedo na ferida ao lembrar que uma derrota de Santana Lopes pode não conduzir automaticamente ao seu rápido afastamento. Já há indícios de que alguns elementos do seu séquito se preparam para cantar vitória na derrota se a votação for superior à das europeias (o pior resultado de sempre do PSD). Posso estar enganado, mas penso que PSL só vai sair da liderança se forçado, já que quando sair "morrerá" em grande medida para a política à escala nacional, que é a aquela que mais o atrai, dada a sua natureza.
Infelizmente, penso que PSL não sairá de cena da vida política portuguesa tão cedo. O homem não se pode dar a esse luxo - do que é que iria viver? Do Big Brother? O que é triste é que há de haver sempre algum cantinho de Portugal que ficará fascinado com a possibilidade de acolher um ex-Primeiro Ministro, ex-presidente de duas câmaras, ex-presidente do Sporting, ex-comentador desportivo como seu líder local, independentemente dos defeitos sobejamente demonstrados da personagem.
Onde não consigo acompanhar o Rui é na indiferença que manifesta em relação aos desaires do PSD:
Não quero imitar uma espécie de inquietação com o futuro do PSD que, de
facto, não tenho. Em primeiro lugar, porque toda esta preocupação à
volta da desnaturalização do PSD parte do princípio de que Santana
Lopes não é o verdadeiro PSD, e que o verdadeiro PSD seria um partido
reformista cheio de gente bem formada. Ora eu não duvido que haja gente
bem intencionada e politicamente consistente no PSD, em qualquer das
suas tendências. Mas esse PSD não é mais verdadeiro do que o outro. Bem
pelo contrário: para cada Pacheco Pereira, Pinto Leite, António Capucho
ou Ângelo Correia do PSD há um Santana Lopes e um Alberto João Jardim,
dois Valentins Loureiros e três Luís Filipes Menezes – para não falar
nos menos coloridos Coutos dos Santos, Dias Loureiros e Isaltinos de
Morais. Santana Lopes é o PSD, puro PPD/PSD, tão PSD como os
seus críticos e com tanto direito ao seu partido como eles. Não é a mim
que me cabe lamentar o que está agora a acontecer ao PSD; é ao próprio
partido.
Não concordo. Todos os partidos têm os seus notáveis e os seus execráveis, mas a única coisa de notável no PSD actual é o vazio, a ausência absoluta de figuras credíveis que estejam disponíveis para servir o partido na linha da frente.
O que está a acontecer ao PSD é uma tragédia para todo o país, independentemente de posicionamentos ideológicos. Em democracia, a alternância de poder é a regra, não a excepção. A maioria dos países usam hoje em dia sistemas eleitorais que conduzem inevitavelmente à bi-partidarização, em que dois partidos assumem alternadamente o poder. Portugal não é excepção, e no nosso país os partidos com vocação de poder são o PS e o PSD. Mesmo simpatizando mais com um destes partidos ou não gostando de nenhum, devemos desejar que estes sejam capazes de atrair pessoas de qualidade, pois inelutavelmente chegará um dia a sua vez de assumir o poder, se não por mérito seu então por demérito ou simples desgaste do seu adversário. Sendo assim, entristece-me e assusta-me profundamente que um partido que pode voltar rapidamente a ser poder esteja num tal desnorte, numa deriva populista de tal mau gosto e falta de sentido de estado que conseguiu afastar a maioria dos simpatizante sérios que noutras circunstâncias poderiam oferecer os seus preciosos préstimos.
Eu sei que para imitar a famosa "postura de estadista" o blogger
deve dizer que o PSD é central na nossa democracia e que será essencial
preservá-lo com todos os cuidados que mereceria um híbrido de mamute
com guaxinim. Mas a "postura de estadista" é exactamente isso, uma
posição postiça, um rosto histrionicamente preocupado, e não uma
verdadeira atitude.
Mas qual é o problema da postura de estadista? O estado não somos nós, como dizia ontem o José Gil? Eu não quero *imitar* a postura de estadista, eu quero *ter* postura de estadista nestas questões.
O Rui levanta também outra questão interessante: Será que os partidos têm uma natureza própria livremente determinada, ou será que esta é em larga medida definida pelo nicho ecológico que ocupam no sistema partidário vigente?
O sistema de partidos é o mais interessante que
temos, mas cada partido em particular não tem, na verdade, a
importância que lhe damos. Se o PRD tivesse substituído o PS, hoje em
dia não estaríamos mais ou menos na mesma, apenas com personagens
trocadas (mas nem todas)? E, a dizer verdade, não acabou já por duas ou
três vezes o CDS? Ora se o PSD tiver que acabar, ou dividir-se em dois,
ou se os seus membros mais respeitáveis saírem para formar o tal
Partido das Reformas de que tanto falam, óptimo, tanto melhor. Supondo
que ultrapassassem as suas divergências, talvez até fosse muito bom
para o país.
É tentador abraçar esta ideia, mas penso que ela é desmentida pela realidade. Para a determinação da identidade de cada partido são fundamentais as personalidades dos homens que os constróem, e não apenas as suas ideologias, ou para os mais oportunistas os seus segmentos de mercado. Talvez se pudesse argumentar, por analogia com o que disse José Gil sobre os estados na palestra de ontem, que só os pequenos partidos possuem personalidades bem definidas, mas não me parece que seja verdade. As lideranças efectivas afectam profundamente o carácter dos seus partidos, e embora raramente o possam mudar de forma permanente, podem muitas vezes elevá-lo, focá-lo ou redireccioná-lo. O que seria o PS sem o Mário Soares, ou o PSD sem Cavaco Silva? A personalidade percepcionada destes partidos está de tal forma moldada por alguns dos seus líderes que é difícil imaginar uma realidade alternativa em que os partidos fossem realmente os mesmos na ausência de certas figuras.
Penso que esta ideia de que as personalidades dos partidos estão pré-determinadas está errada, e é perigosa na medida em comete o erro comum de olhar para o equilíbrio partidário como estático, ignorando que aquilo que se chama de Centro é algo que está em mudança permanente. Basta olhar para os EUA, ou mesmo para outros países mais culturalmente mais próximos de nós. Os equilíbrios partidários podem por vezes alterar-se de forma repentina e irreversível, e o PSD pode estar inadvertidamente a criar o terreno para que possamos assistir a uma dessas reorganizações. Isto não é mau em sim mesmo, mas corremos o risco de o resultado dessa reorganização ser um PP-D, um verdadeiro grande partido de direita populista conservadora, e não o partido de centro-direita com traços híbridos de partido tecnocrático, liberal e social-democrata que entre outras coisas era o PSD. Tal alteração puxaria inevitavelmente o PS para a direita, e como o putativo PP-D seria o candidato natural a segundo partido de poder, o resultado seria o deslocamento do centro governativo para a direita.
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