
O cargo político mais importante para Portugal e para os portugueses é o de primeiro-ministro de Portugal. Durão Barroso foi eleito pelos portugueses para o mais alto cargo governativo deste país e para mais nenhum outro. Durão tem a obrigação de respeitar a vontade dos que o elegeram, ou em alternativa, se sentir que esgotou as suas capacidades para desempenhar esse cargo adequadamente, remeter a escolha do seu sucessor aos eleitores.
O cargo de presidente da Comissão Europeia terá as suas dificuldades, mas representará uma tarefa certamente menos ingrata do que liderar um governo e uma coligação que atingiram o fundo em termos de popularidade e de eficácia governativa. Durão Barroso tinha à sua escolha as duas opções tradicionais: manter a postura de lutador estóico e levar o governo até ao fim, submetendo depois a sua governação ao veredicto popular; ou concluir que o declínio deste governo é irreversível e assumir as suas responsabilidades, demitindo-se e pedindo eleições antecipadas. Acabou por não optar por nenhum destes caminhos, aproveitando uma oportunidade de ouro para sair sem assumir a derrota. Durão Barroso aceitou a derrota sem o assumir perante aqueles que o elegeram.
Parece que quando Durão Barroso prometeu aos portugueses que não fugia ao cargo e às suas responsabilidades perante aqueles que o elegeram não estava a falar muito a sério. Ou isso, ou então a palavra "fuga" reveste um significado especial para este dirigente político.
A comparação com Guterres é inevitável e demolidora para Durão. Guterres optou por assumir responsabilidade pessoal pelo desgaste do seu governo e pelo mau resultado obtido nas eleições, abandonando a liderança do Governo. É discutível se esta foi a melhor opção para o país e provavelmente não foi a melhor opção para o PS, mas Guterres não tentou escamotear as suas responsabilidades.
Durão Barroso abandona a liderança do governo num quadro de desgaste governativo e eleitoral semelhante ao do fim do último governo socialista, mas ao contrário de Guterres não assume responsabilidade pelo estado das coisas, e deixa o país em risco de ser entregue a Pedro Santana Lopes, um dos mais perigosos políticos da sua geração, cujo estilo é descrito na edição de hoje do Expresso como "emotivo e superficial, populista e inconstante".
A passagem da liderança do governo de Portugal pode ser legal, mas não é seguramente politicamente legítima. Quem vota nas legislativas vota tanto ou mais numa liderança específica como num partido programa eleitoral concretos. Quem acha que quem ganha eleições são os partidos e não as lideranças, responda-me que hipóteses tem o PS de ganhar eleições com o Narciso Miranda, ou que hipóteses teve o PSD de as ganhar com Fernando Nogueira. Os governos são liderados por pessoas e não por abstrações, e como em tanta coisa na vida o calibre dessas pessoas é um dos elementos fundamentais que nos fazem decidir por um lado ou outro.
Apelo a todos que não concordam com esta mudança anti-democrática de governo que se manifestem amanhã pelas 19h em frente ao palácio de Belém. Espalhem a mensagem por boca-a-boca, por SMS ou por email. Há que tornar bem visível que muitos de nós não aceitam dar cobertura a esta fuga irresponsável.
Outras reacções da blogosfera portuguesa:
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O Golpe - Daniel Oliveira exprime idêntica revolta de forma muito mais compacta e incisiva.
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Actores de um golpe-de-teatro - Vital Moreira do Causa Nossa comenta os acontecimentos de forma mais desapaixonada.
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Uma sexta feira de surpresas - Maria Manuel Leitão Marques do Causa Nossa reconhece que vai ser difícil fugir a eleições antecipadas:
Mesmo que a Constituição não obrigue a novas eleições e que a opção do Presidente da República possa ser, legitimamente, a de não as convocar, não é fácil convencer muitos cidadãos eleitores que não foi Durão Barroso, ele mesmo, que foi votado para primeiro-ministro nas eleições de 2002 e que, por isso, não devem agora ser chamados a poder escolher de novo.
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